quinta-feira, 14 de março de 2013

Não mais que de repente


.. Lírico. É como se eu estivesse vendo: a rua que descia até o rio, a estranha nova que se abria do outro lado, o apito da usina, a voz do cajueiro. Entrava pela boca do pato e saia pela boca do pinto – dava um tempo e contava até cinco. Era aí que tudo recomeçava, um dia depois do outro e para sempre todo santo dia. 

..Era de dia. Meu avô de pé na porta e o Tico Tico no Fubá tocando longe. A rua escorria tranquila em direção ao rio. Quem diria? Um quadro depois do outro: gozado como a cor de tudo, vista daqui, não dava pra chegar a verde-verde, azul-azul, vermelho no duro: tudo meio cinza, desbotado, enfumaçado. Mas tudo tão presente, agora. Por que?

Fernando Pessoa fala diferente. 

A mesma coisa... 

“Outra vez te revejo.

Cidade da minha infância pavorosamente perdida... Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei, E aqui tornei a voltar, e a voltar. E aqui de novo tornei a voltar? Ou somos todos os Eu que estive ou estiveram, Uma série de contas-entes ligadas por fio-memória. Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim? Outra vez te revejo, com o coração mais longínquo, a alma menos minha”.

E não tem mais nada não: é a mão sem mão e o pé no chão. E se interessar a alguém maiores detalhes eu aviso: só acredito mesmo naquilo que não falo. Como o cidadão da foto ao lado. Até breve.

TORQUATO NETO. In: A Hora Fatal [Jornal A Hora], Teresina, 16.07.1972

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