sexta-feira, 8 de junho de 2012

Tropicalismo para principiantes



Um filme, chamado “Bonnie and Clyde” está fazendo agora um tremendo sucesso na Europa. E com uma força tão grande que sua influência estendeu-se à moda, à música, à decoração, às comidas e aos menores hábitos das pessoas. São os anos trinta que estão sendo revividos. Bem por dentro dessa história e à procura de um movimento pop autenticamente brasileiro, um grupo de intelectuais reunidos no Rio – cineastas, jornalistas, compositores, poetas e artistas plásticos – resolveu lançar o Tropicalismo. O que é? 

Assumir completamente tudo o que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra, ainda desconhecido. Eis o que é.

Porta-voz do tropicalismo, por enquanto. É o jornalista e compositor Nelson Motta, que divulgou essa semana, num vespertino carioca, o primeiro manifesto do movimento. E fazem parte dele, entre outros: Caetano Veloso, Rogério Duarte, Gilberto Gil, Nara Leão, Glauber Rocha, Carlos Diégues, Gustavo Dhal, Antônio Dias, Chico Buarque, Valter Lima Jr. e José Carlos Capinam. 

Muitas adesões estão sendo esperadas de São Paulo e é possível que Rogério Duprat, Júlio Medaglia e muita gente mais (os irmãos Haroldo e Augusto, Renato Borghi etc.) tenham suas inscrições efetuadas imediatamente. O papa do Tropicalismo – e não poderia faltar um – pode ser José Celso Martinez Correa. Um deus do movimento: Nelson Rodrigues. Uma musa: Vicente Celestino. Outra musa: Gilda de Abreu. 

O Tropicalismo, ou Cruzada Tropicalista, pode ser lançado qualquer dia desses numa grande festa no Copacabana Palace. A piscina estará repleta de vitórias-régias e a pérgula enfeitada com palmeiras de todos os tipos. Uma nova moda será lançada: para homens, ternos de linho acetinado branco, com golas bem largas e gravatas de rayon vermelho; as mulheres devem copiar antigos figurinos de Luiza Barreto Leite ou Iracema de Alencar. Em casa, nada de decorações moderninhas, rústicas ou coloniais. A pedida são móveis estofados em dourado e bordô, reproduções de Osvaldo Teixeira e Pedro Américo, bibelôs de louça e camurça, retratos de Vicente Celestino, Emilinha Borba e Cézar de Alencar. Nada de Beatles, nada de Rolling Stones. E muitos pufes, centenas de almofadas. 

O Dia das Mães, o Natal e o reveillon do jaguar serão as grandes festas do Tropicalismo, que exige eventos e efemérides. 25 de agosto é data importantíssima. E ninguém perderá uma parada de 7 de Setembro. Desfile de escolas de samba (em cadeiras numeradas) e o baile do Municipal são obrigatórios. Revistas de Gomes Leal, shows de Carlos Machado e filmes de Mazzaropi serão assuntos discutidíssimos. Cinerama também. Um ídolo: Wanderley Cardoso. Uma cantora: Marlene. Um intelectual: Alcino Diniz. Um poeta: J.G. de Araújo Jorge. Um programa de TV: Um Instante Maestro. Uma canção: “Coração Materno”. Um gênio: Chacrinha. 

E daí para a frente. Aliás, os líderes do Tropicalismo anunciam o movimento como super-pra-frente: 

- É brasileiro, mas é muito pop. 

O que, no fundo, é uma brincadeira total. A moda não deve pegar (nem parece estar sendo lançada para isso), os ídolos continuarão os mesmos – Beatles, Marilyn, Che, Sinatra. E o verdadeiro, grande Tropicalismo estará demonstrado. Isso, o que se pretende e o que se pergunta: como adorar Godard e Pierrot Le Fou e não aceitar “Superbacana”? Como achar Felinni genial e não gostar de Zé do Caixão? Porque o Mariaaschi Maeschi é mais místico do que Arigó? 

Tropicalismo pode responder: porque somos um país assim mesmo. Porque detestamos o Tropicalismo e nos envergonhamos dele, do nosso subdesenvolvimento, de nossa mais autêntica e imperdoável cafonice. Com seriedade.

Esse texto está contido no livro "Torquatália: do lado de dentro" de organização de Paulo Roberto Pires, todavia essa versão foi retirada do site Tropicalia.

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