quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

“TODOS OS DIAS DE PAUPÉRIA”: UMA REVISITA TROPICALISTA AOS ANOS SESSENTA


 
Fábio Leonardo Castelo Branco Brito

Uma história se faz de releituras. E o trabalho do historiador, como produtor de conhecimentos e captador de subjetividades, é trazer à tona as características enunciadas nas teias discursivas, formuladas nas entrelinhas dos textos, dos documentos e da oralidade. Dessa forma, a poesia, a música e o cinema se apresentam como elementos fundamentais de um discurso transgressor, que reúne e traça análises de uma época.

Buscando estabelecer um retrato analítico da invenção da Tropicália dentro de um contexto histórico-cultural dos anos 1960, Edwar de Alencar Castelo Branco traça um perfil deste movimento artístico que serviu como arauto das renovações nacionais no período mais repressivo da história do país, trazendo para tal cenário novos atores, e enfocando nesta discussão o poeta, compositor, jornalista e cineasta piauiense Torquato Neto.

Dono de uma “poética de estilhaços”, e colocando-se como “sujeito dilacerado”, mais pela sua atormentada compleição psicológica que pelo mundo externo, visto como uma mera consequência, o “anjo torto” Torquato serviu de referencial para todo um conjunto de produções culturais da década seguinte, seja na forma das obras literárias da Geração Mimeógrafo, seja na cinematografia experimental com tecnologia super-8. A revisão de sua obra serve como forma de se compreender a realidade cotidiana de um período de transição entre o tradicionalismo de um país de bases desenvolvimentistas e o resplandecer de uma nova democracia, mais crítica, porque mais versátil.

A obra, organizada em quatro momentos, inicia-se com um panorama dos anos 1960, como uma época de tecnologias afloráveis: a conquista do espaço, resultado da Guerra Fria vivida entre Estados Unidos e União Soviética, tem como consequência uma gama de criações que entrariam para o cotidiano nacional, como a televisão, que se transforma em febre e passa a ser vista como maravilha por uns, instrumento alienante por outros. Nesse contexto, a realidade nacional, vívida em sintonia com o mundo, passa a conhecer, ainda que com certo atraso, as provocações de uma juventude que é, antes de mais nada, contra o sistema, a hipocrisia da sociedade, a constituição familiar, e todos os modelos padronizados e enlatados. Os cabelos grandes, a droga como instrumento de experimentação de um conhecimento impenetrável, a volubilidade nas ações. Nesse contexto, enfrentavam-se modelos distintos de juventude, que iam da vinculação direta ao mundo construído ao engajamento esquerdista. Aí, no entanto, aparecia um grupo que não se enquadrava nem neste nem naquele modelo: se mostrava iconoclasta, anarquista em relação a todo e qualquer dogma político, religioso ou social. O tropicalismo aflorava, mais como filosofia de existência juvenil, expandindo-se, depois, para diversas manifestações de arte.

No segundo capítulo, o autor analisa visões divergentes acerca da invenção da Tropicália, lançando, antes disso, conceitos e paradigmas convergentes a este movimento. Oriundos da busca da juventude por uma liberdade de ações (contida em referências literárias, como On the road, de Jack Kerouac), grupos se desligavam do estabelecido e buscavam o novo, seja ele qual fosse. Nesse cenário, Torquato Neto aparece como membro de um grupo constituinte, ao lado dos já referendados criadores do movimento, como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa. As formulações discursivas são pontos de referência para a construção de um conceito de Tropicalismo, ora visto como uma ação casuística, em termo de movimento organizado, ora como uma ideia para a qual diversos “pais” se apresentam.

O terceiro momento enfoca Torquato Neto, em suas aventuras culturais, resultante de sua postura inconstante, parte de um mundo interior sujeito a disritmias e multifacetas. Do jornalista, assinando as colunas “Arte e cultura popular”, “Música popular” e “Geléia Geral”, ao poeta e músico, Torquato caminha entre a inquietude pessoal à genialidade formulada em seus textos poéticos e em prosa. O tom de desabafo, a revolta política ou o prenúncio de um mundo libertário permeiam o gênio propositor de uma nova linguagem, revolucionária. Edwar Castelo Branco analisa, também, a relação do poeta com o desvio de interesses de alguns dentre os principais membros da Tropicália, sentindo-se este traído pelos seus pares no ideário proposto.

Por fim, o autor analisa nos percursos cinematográficos do “anjo torto” uma busca por referências que fundamentem uma marginalidade. Nas produções efetuadas em Teresina (os filmes O Terror da Vermelha e Adão e Eva do Paraíso ao Consumo), em super-8, o poeta quebra com o formato de narrativa teleológica, estabelecida pelo cinema-padrão hollywoodiano. Parte de um circuito experimental, no Brasil, onde disputas internas opunham marginais e cinemanovistas, Torquato leva os espectadores a uma Teresina construída segundo a perspectiva kitsch de uma cinematografia com conceitos claros – a negação de valores – que pode ser resumida na expressão: “Chega de metáforas. Queremos a imagem nua e crua que se vê nas ruas”.

Em sua “vialinguagem”, dividido entre as dúvidas existenciais e a busca por um não-sei-o-quê que aplainasse seus próprios conflitos, Torquato Neto se mostra como o oráculo pretendido de uma realidade mesclada, dos sabores do novo e das amarguras da repressão. Escrevendo, lendo, tocando fogo nas palavras, formulando e irradiando discursos, devaneando sobre as próprias angústias, Torquato enunciou sua destruição na perspectiva da própria obra, difusa, nos acordes dissonantes dos significados. Num realismo beirando a esquizofrenia, o “anjo torto” escreveu e filmou seu próprio sentimento. Plantou em sua obra sua alma, muito embora seus pares tenham desviado-se dos objetivos centrais, libertários, do movimento tropicalista. “Destruir a linguagem e explodir com ela”: o conceito de um ideário nunca plenamente realizado.


Bibliografia

CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar. Todos os dias de paupéria: Torquato Neto e a invenção da Tropicália. São Paulo: Annablume, 2005.

Resenha publicada, incialmente em duas partes, n'O Piagui Culturalista da cidade de Parnaiba - PI.

UM DIA DEPOIS DO OUTRO

I

deu de um tudo
do bom e do melhor
na festa do desataflor
do nosso amor do amor:
convidados e tal
mais uma saudade
do carnaval que ainda não pintou.
ora bolas, esmolas.

II

tudo o que eu quero
é uma questão de gosto:
um beijo, bolero
e pipoca moderna
mais o contraresto
menos nosso imposto
e cada vez mais perto
do porto.

III

coração correto.

(Torquato Neto)

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

HAI – KAISINHO

caminho no escuro.
que é
que eu procuro?

Te. 23/12/61

(Torquato Neto In: Torquatália: do lado de dentro. Paulo Roberto Pires (org.). Rio de Janeiro: Rocco, 2004.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Marginália II



Eu brasileiro confesso
Minha culpa, meu pecado
Meu sonho desesperado
Meu bem guardado segredo
Minha aflição
Eu brasileiro confesso
Minha culpa, meu degredo
Pão seco de cada dia
Tropical melancolia
Negra solidão:

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Ou lá

Aqui o Terceiro Mundo
Pede a bênção e vai dormir
Entre cascas das palmeiras,
araçás e bananeiras
Ao canto da juriti
Aqui meu pânico e glória
Aqui meu laço e cadeia
Conheço bem minha história
Começa na lua cheia
E termina antes do fim

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Ou lá

Minha terra tem palmeiras onde
sopra o vento forte
Da fome, do medo e muito
Principalmente
Da morte
O-lelê, lalá
A bomba explode lá fora
E agora, o que vou temer?
Yes: nós temos banana
Até pra dar,
E vender

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Ou lá


(Torquato Neto In Torquatália: do lado de dentro. Paulo Roberto Pires (org.). Rio de Janeiro: Rocco, 2004.)

OBS: música gravada por Gilberto Gil em Gilberto Gil (1968) e por Maria Bethânia em Recital na boate Barroco - Ao vivo (1968)

A Rua



Toda rua tem seu curso
Tem seu leito de água clara
Por onde passa a memória
Lembrando histórias de um tempo
Que não acaba

De uma rua de uma rua
Eu lembro agora
Que o tempo ninguém mais
Ninguém mais canta
Muito embora de cirandas
(oi, de cirandas)
E de meninos correndo
Atrás de bandas

Atrás de bandas que passavam
Como o rio Parnaíba
Rio manso
Passava no fim da rua
E molhava seus lajedos
Onde a noite refletia
O brilho manso
O tempo claro da lua

Ê São João ê Pacatuba
Ê rua do Barrocão
Ê Parnaíba passando
Separando a minha rua
Das outras, do Maranhão
De longe pensando nela
Meu coração de menino
Bate forte como um sino
Que anuncia procissão

Ê minha rua meu povo
Ê gente que mal nasceu
Das Dores que morreu cedo
Luzia que se perdeu
Macapreto Zê Velhinho
Esse menino crescido
Que tem o peito ferido
Anda vivo, não morreu

Ê Pacatuba
Meu tempo de brincar
Já foi-se embora
Ê Parnaíba
Passando pela rua
Até agora
Agora por aqui estou
Com vontade
E eu volto pra matar
Esta saudade

Ê São João, é, Pacatuba
Ê rua do Barrocão.


(Torquato Neto In Torquatália: do lado de dentro. Paulo Roberto Pires (org.). Rio de Janeiro: Rocco, 2004.)

sábado, 24 de dezembro de 2011

Ar Torquato

 "Ar Torquato" de Antonio Quine.



A peça conta a vida e a obra do escritor Torquato Neto, desde a chegada do escritor ao Rio de Janeiro até seu suicídio. Há uma espécie de colagem de textos de Torquato, entre músicas de Caetano Veloso e Gilberto Gil, além de poesias. A melancolia e a estética do absurdo perpassam toda a obra. O Anjo, encaminhado pelo Analista, dá uma missão a Torquato: “desafinar o coro dos contentes”. Torquato vai para o Rio de Janeiro e contesta a ditadura militar e os valores burgueses, através da palavra, numa coluna de jornal. A palavra, mais propriamente a poesia, é o que dá ar a Torquato e que permite que ele continue vivendo. Foi o Anjo que lhe deu o dom da arte e, por isso, quando ele morre, Torquato fica sem ar metaforicamente e se suicida. Antes, ele se interna em uma clinica psiquiátrica e lá encontra outros personagens frustrados.
Torquato Neto por Luiz Trimano


UM INVENTÁRIO EM SUPER-8


Documentário sobre o poeta piauiense Torquato Neto. Produzido por Isana Barbosa e Rammyro Leal.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

POEMA SILENCIOSO DENTRO DA NOITE

Três fatos – um sussurro – um abandono
a faina do amor e canso.
Corre sobre a torre excusa,
espera:
nada desce ou se adianta
mais.
Por cinco copos e alguns prantos
te observo. Uísque vagabundo
em copo (daqueles a quem
não se pode negar a boca amarga)
e a mão branca e torta imiscuindo
letras
e propondo antologias
em tempo de cartilha.
amor
amado
amaria
) possuir
ser
és (
NUNCA.
Pra mim
conjugar o verbo amar
é por um nunca antes de cada tempo
e esquecer as desinências
que não sejam minhas.
EU
TU
e só.
Dois nomes se confundem no assoalho
e abraçam no escuro
e se procuram
e não se encontram.
A carne é forte, filho!
Dura.
Seca.
Sonolenta.
Dois nomes não se acham
se começam por letras diferentes
e distantes dentro do alfabeto convencional.



(Torquato Neto)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

VIR VER OU VIR

Imagem retirado do filme "O Terror da Vermelha" de Torquato Neto.


a coroa do rio poti em teresina lá no piauí. areia palmeiras de babaçu e
céu e água e muito longe, depois, um caso de amor um casal uns e outros.
procuro para todos os lados - localizo e reconheço , meu chicote na mão e
os outros: a hora da novela o terror da vermelha
o problema sem solução a quadratura do círculo o demônio a águia o núme-
ro do mistério dos elementos os quintais a minha terra é a minha vida!
o faroesteiro da cidade verde
estás doido, então? (sousândrade)
ela me vê e corre, praça joão luís ferreira
esfaqueada num jardim
estudante encontrado morto

ando pelas ruas tudo de repente é novo para mim. a grama. o meu caso de
amor, que persigo, êsses meninos me matam na praça do liceu. conversa com
gilberto gil
e recomeço a
vir ver ou 
aqui onde herondina faz o show
na estação da estrada de ferro teresina-são luís um dia de manhã
ali
onde etim é sangrado

TRISTERESINA

uma porta aberta semiaberta penumbra retratos e retoques
eis tudo. observei longamente, entrei saí e novamente eu volto enquanto
saio, uma vez feriado de morte e me salvei
o primeiro filme - todos cantam sua terra
também vou cantar a minha

VIAGEM/LINGUA/VIALINGUAGEM

um documento secreto
enquanto a feiticeira não me vê
e eu pareço um louco pela rua e um dia eu encontrei um cara muito legal
que eu me amarrei e nós ficamos muito amigos eu o via o dia inteiro e a 
poucos conheci tão bem.

VER

e deu-se que um dia eu o matei, por merecimento.
sou um homem desesperado andando à margem do rio parnaíba.

BOIJARDIM DA NOITE

êste jardim é guardado pelo barão. um comercial da pitu, hommage, à sa-
úde de luiz otávio.
o médioc e o monstro. hospital getúlio vargas. morte no jardim. paulo josé, meu primo, estudante de comunicação em brasília, morre segurando bravamente seu rolling stone da semana

sol a pino e conceição.

VIR
correndo sol a pino pela avenida

T E R E S I N A

zona tórrida musa advir

uma ponta de filme - calças amarelas
quarto número seis sete cidades

(Torquato Neto)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

TORQUATO ENTRE NÓS

André Monteiro


A imagem viva de um escritor não vive da posse de seu rosto. Torna-se música: imagem que nos faz dançar. Enunciação vivida como vozes que permanecem gritando entre nós. Não são fantasmas de uma imaginação saudosa (clichê romântico de uma infância perdida ou de uma morte anunciada em compaixão prévia). São brinquedos cheios de eletricidade zombando de nosso tempo previsto, nossa cronologia de figurinhas emboloradas, idolatradas no álbum de retratos familiares da história literária. Um fragmento de nota pessoal (a suposta intimidade) saltando para fora do poder de sua moldura. Será isso o invisível da imagem? Torquato Neto por Torquato Neto: você olha nos meus olhos e não vê nada: pois é assim mesmo que eu quero ser olhado. É assim mesmo que eu quero que você não entenda... (1)

Quem é esse você enunciado no texto? Seguindo a trilha verossímil (o eixo sintagmático lógico-discursivo) do desfecho, seria Ana Duarte, a então mulher de Torquato: ...e eu me viro ao teu lado, te acordo, te amo, ana (2). Seguindo uma outra trilha, a de um ato de leitura idealizado e não menos verossímil, o você poderia vir a ser uma integridade nossa. Mas você, nesse caso, já não possui, entre nós, lugar seguro. Sua verossimilhança (os olhos nos olhos) é fugidia, não se pode alcançá-la com um mero mergulho narcisista. Não se trata de desafeto: nosso rosto se descontinua diante de uma enunciação desviante, tal como na proposição de Godard ao se recusar, em 1995, a comemorar o automatismo cronológico dos cem anos de cinema: O espelho deveria refletir a imagem antes de reenviá-la (3). Um desencontro reflexivo diante do espelho "eu" nos multiplica (trata-se de um movimento) e nos convida a criar vidas entre vidas.

Mas não nos enganemos. Certamente existe em nós a tentação da transparência biográfica. Automatismo de nossa civilização. Queremos contar tudo: um rosto outro agarrado em um rosto mesmo. Um rosto sempre nosso a nos esperar lá trás. Um rosto de propriedade privada: efeito e causa. Não será toda verossimilhança uma poderosa moldura? A imagem de um escritor, quando nos interroga, produz buracos e nós imediatamente passamos a preenchê-los com estratégias confortáveis de uma boa novela, passível de uma comunhão didática e varrida de estranhezas. Em nosso tempo, como nos ensina Jim Morison na série de The Lords, deu-se uma metamorfose: do corpo, enlouquecido pela dança, passamos à masturbação do voyeur cujo emblema é o espelho e cuja prece é a janela. Eis a nossa impotência: Não atravessas nunca o espelho/nem mergulhas pela janela(4) . A impotência é a força dominante de nossas instituições sociais/individuais. Ela constitui, nos dizeres de Deleuze/Parnet, nossos afetos tristes: ...Vivemos em um mundo desagradável, onde não apenas as pessoas, mas os poderes estabelecidos têm interesses em nos comunicar afetos tristes. Afetos tristes são todos aqueles que diminuem nossa potência de agir...(5)

Propomos aqui um prazer: o de encontrar as vozes de Torquato Neto em sua potência e na alegria (composição de ações) de seus cantos entre nós. Mas é possível o prazer de atravessarmos um corpo - e não querermos prendê-lo - sem ao mesmo tempo cuidarmos de nossas dores? Nietzsche já nos ensinou que a dor pergunta sempre pela causa enquanto o prazer tende a ficar consigo mesmo e não olhar para trás (6). Se a nossa vontade aqui é a de seguir em frente (dar vida à vida) - ação de saltarmos para além das garras do espelho re-acionário -, essa vontade também já aprendeu com Nietzsche que, por vezes, é necessário recuar para se dar um grande salto (7).

Recuo histórico (leia-se verossimilhança) para tomar impulso:

Ao ingressarmos no mestrado em Literatura Brasileira da PUC-Rio, em 1997, trazíamos em nosso corpo o peso de uma paixão antiga e enorme pelo rosto de Torquato Neto. O livro Os últimos dias de paupéria era nossa bíblia sagrada, a representação mais radical de um espelho contra-cultural. Olhávamos para Torquato de um modo fixo e obsessivo: paradoxalmente, nós o queríamos em um centro puro que, inversamente, poderia configurar um ideal de margem: o poeta desafinado da Geléia Geral brasileira, o anjo torto suicida do tropicalismo. Líamos Torquato pelo seu suposto fim e não pelos seus meios possíveis. Não procurávamos, evidentemente, um autógrafo, mas uma autópsia.

O anjo torto era nossa loucura chorosa e impotente. Diante das espinhas e dos espinhos de uma profunda sensação de desajuste escolar, familiar e institucional, esse Anjo se tornava nosso herói: aquele que teve a coragem de voar para onde nossa recusa supostamente ainda não podia pagar pra ver: o abandono da própria vida. Uma identidade contempladora com seu adeus, vou pra não voltar justificava o nosso ressentimento social diante dos fantasmas tidos como os inimigos opressores: os cultos infernais da maioria. Para nós, Torquato não era outra coisa senão, como declarou certa vez Décio Pignatari, o representante de ... de tudo aquilo que, de uma forma ou de outra, era marginal a partir dos anos 60.(8)

Durante o período em que elaboramos nossa dissertação de mestrado, defendida no início de 1999, congelávamos mais uma vez a imagem de Torquato Neto. Mas dessa vez, éramos movidos por uma força oposta: um desejo de realizar uma espécie de revisão autocrítica de nossa paixão adolescente pela mitologia marginal.

Analisamos a trajetória estético-existencial de Torquato em busca de uma reflexão capaz de compreender de que modo tal trajetória foi legitimada e se legitimou enquanto um mito de marginalidade. A marginalidade era agora encarada como uma política e não como uma crença. Desse modo, o suicídio precoce de Torquato - precedido por sua suposta e bem contada biografia, marcada pela loucura e pelo desvio estético-existencial - passou a ser encarado como o motor de sua visibilidade, de sua canonização em determinada tradição. Sua autofagia, que em uma visão estática e absoluta do mito de marginalidade seria exclusivamente o seu silêncio de morte (seu dar as costas ao sol, como escreveu Augusto de Campos), tornou-se, ao mesmo tempo, sua fala de integração à própria vida ordinária do sistema de compra e venda da cultura dominante.

Realizamos um exercício reflexivo necessário, mas niilista, em torno de uma mera constatação relativista. A margem já não podia ocupar um centro mágico, mas uma legitimidade política, uma negociação. Se em nossa paixão adolescente pelo mito do marginal assassinávamos Torquato para morrer com ele de paixão, agora o que fazíamos era um assassinato frio de nossa paixão assassina. Sufocávamos o prazer mítico de ler Torquato em nome de um trabalho adulto com a cultura e com a literatura. A obsessão pela virtude acadêmica era então o nosso medo viciado e, também, nosso vício respeitado.

Hoje, percebemos que Torquato ainda nos toca o corpo. Um outro Torquato. Um outro que sempre esteve vivo entre nós, apesar de nossas encenações de assassinato. Assumimos uma dívida com a nossa vida e nos indagamos: como será possível, agora, manifestar um afeto com Torquato para além de uma dicotomia entre a paixão mítico-idólatra do adolescente e a frieza adulta meramente relativizadora e desconstrutora dessa paixão? Como trazer, com a linguagem que aqui se produz, um escritor de volta a uma vida? Com uma expressão clássica de Nietzsche, podemos nos indagar: de que modo podemos encarar uma escritura com vontade de potência? Bem entendido, vontade de potência não é vontade de poder nem é vontade de dominar. Potência não é cobiça, mas criação e doação (9)- diz Deleuze. A criação é um gesto de violência: traço rasgando uma página em branco. A doação é aquilo que nos libera de nossos vícios, aquilo que se cria quando nos perdemos deles. Os vícios deixam de ser o que são justamente quando a suposta pureza das virtudes (a tristeza de nosso porto seguro, como na letra da canção tropicalista Geléia Geral) já não dá conta de abraçar a si mesma. A cria da mãe virtude (o vício) não é capaz de suportar uma pretensão genética totalitária:
Torquato escreve:

a) A virtude é o próprio vício
conforme se sabe;
acabe logo comigo
ou se acabe.
b) A virtude é o próprio vício
- conforme se sabe -
estão no fim, no início/da escada. Chave.
(...)
e) A virtude, a mãe do vício
como eu tenho vinte dedos,
ainda,
e ainda é cedo:
você olha nos meus olhos
mas não vê nada, se lembra?
f) A virtude
mais o vício: início da
MINHA
transa. Início fácil, termino:
Deus é precipício,
durma,
e nem com Deus no hospício
(durma), o hospício é refúgio.
Fuja.(10)

Inaugura-se um movimento (uma criação) em que uma força inominável de vida vence o limite máximo (a onisciência) da abstração: deus como precipício. Mas não se trata de uma simples inversão dos dois lados da escada moral: o vício no lugar da virtude e vice-versa. Tampouco se quer o louco no lugar do louco, o refúgio. Trata-se de um modo de fuga através do qual as possibilidades se somam e se traçam e se sujam e se transam e, em fim, que é também em início, a criatura e a criação se namoram e se fundem (a virtude é o próprio vício), mas elas ainda se distinguem (a virtude mais o vício). E se tudo é tão claro como a soma dos vinte dedos passamos a ler então o que não está escrito, a imagem que dança: você olha nos meus olhos/mas não vê nada, se lembra? Para onde nos leva o afeto dessa pergunta? Para recordar o futuro, como quer Daniel Lins lendo o projeto do bom esquecimento de Nietzsche?: O esquecimento é uma rebelião, uma desorganização, uma dissidência ancorada na meditação ativa, na comtemplação que é o oposto do mutismo ou do quietismo dos homens triturados pelas máquinas da memória .(11)

Há algo n'Os últimos dias de paupéria que - agora sabemos explicitar - já vinha marcando nosso corpo desde nossas primeiras leituras. Estava lá e vive aqui, na periferia do corpo estilhaçado, dando pulso à nossa embriaguez para além da natureza do mito e do contra-mito já aqui cronologizados. Em diálogo com Suely Rolnik poderíamos pensar que esse algo talvez já não constitua uma imagem, mas uma marca invisível, humana e desumana, que não cessa de encontrar, em nós, ambientes de ressonância. São como composições que atualizam uma nova diferença, um desassossego desestabilizador. Não somos nós quem conduzimos essas marcas. Ao contrário: O que o sujeito pode, é deixar-se estranhar pelas marcas que se fazem em seu corpo, é tentar criar sentido que permita sua existencialização - e quanto mais consegue fazê-lo, provavelmente maior é o grau de potência com que a vida se afirma em sua existência. (12)

Torquato sempre será bem vindo - será potente - enquanto com ele pudermos nos estranhar. Enquanto com ele não pudermos ter a certeza do caminho. Perdição, força, encontro. Só assim é possível uma experiência. Experimentar é uma palavra perigosa. Vista na estreiteza de seu estereótipo, tem um cheiro estrito de cronologia crônica, mofo dos anos 70. Paralisia. Há muitos conhecidos nossos que em nome de uma imagem experimental conservam verdadeiros suicídios culturais. Experimentar, aqui, não significa propriamente sair do limite, mas sair com o limite, criar e ampliar com ele possibilidades de alterações: ações outras entre nós outros. O que não se altera não pode viver, afirma o filósofo espanhol Ortega y Gasset gritando para nosotros: salgamos fuera! Para Ortega, a vida está sempre fora do Eu. E sendo mais ampla do que o Eu, ela conta, sempre, com o que ele não é, suas circunstâncias. Quando o Eu fecha os olhos e procura por si mesmo, supostamente dentro de um puro si mesmo, ele não se encontra como coisa, mas como um programa, pois sua própria paisagem psíquica será sempre um dentro que se faz um fora. É em conflito com o lá fora que se pode perceber a diferença, a distinção de um EU que se move e se altera no mundo: fuera es el mundo (13).

Como se daria esse fora - que é vida - no processo do escrever? O descontrole de um estalo marcando um estilo programado nos libera de nossas egocêntricas e neuróticas boas ou más intenções todo-poderosas. É esse descontrole que pode nos afastar dos domínios estritos da literatura e nos aproximar de um saudável delírio. Delirar é trair as potências fixas que querem nos reter (14). Assumir o escrever como um processo de devir, propor um escritor que não deseje mais ser conhecido ou reconhecido, tal como na frase de Deleuze: escrever é tornar-se outra coisa que não escritor (15). Ler também não seria tornar-se outra coisa que não leitor?

O que nos interessa não é mais Torquato representando Torquato. Mas encontrar o lugar onde Torquato com Torquato se torna imperceptível (16): percepção inenarrável que não podemos afirmar através de um tratado lógico. O que se quer é um deslizar por entre uma escritura alegre. Aquela que firma conosco sua perdição, não sendo digna de ser explicada, mas convivida, em um Cogito sempre outro:


COGITO

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
da pessoa que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim. (17)

Aceita-se o mundo como um devir e o fim é vivido sob o signo do imediato: a linguagem não representa algo, mas apresenta o intransferível. Intransferível não é a pessoa do homem, iniciada na medida do impossível, mas o seu lugar de encontro com a linguagem (pronome) que não cessa de se derivar: encontro singular que se estilhaça feito um pedaço desse mim. Um humanismo em crise que vive tranqüilamente todas as horas do seu fim. Um fim que não cessa porque é presente, é passagem. Uma vidência do presente sem segredos dantes, nem secretos dentes. Vidência distinta do estereótipo de grandiloqüência humanista do bardo romântico: legislador do futuro.

O homem inscrito nos textos de Torquato não se faz por sua suposta essência, mas por seu lugar de perigo. O homem é um estado inacabado. É no seu limite, no seu risco de humana desumanização, que o homem berra o homem que ele pode vir a ser, nem que seja um boi:

Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela...
E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. Citação: leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi. Adeusão. (18)

O matadouro trágico não é um lugar de tristeza, mas um modo de arrancar alegria (ação) lá da ponta do abismo da vida. Se é verdade, como já afirmou Waly Salomão, que ...é impossível ler uma linha de Torquato sem pensar que ele se matou... (19), esse suicídio pode não ser a memória de um ponto final pronto para nossa identificação fatal, mas uma linha de fuga (uma melodia a mais) conectada no amplo espaço do ambiente Torquato.

Falar de Torquato agora é como ouvir música. Mas não a música da Música: o protocolo especializado das classificações. Trata-se de um tirar leite de pedra. Ler com as pés, podemos afirmar parafraseando Nietzsche em seu júbilo de escrita dançante-musical. Escrever Torquato agora é então escrever com as marcas que escrevem: ...escrever é fazer letra para a música do tempo; e é esta música sempre singular (20).

A música em Torquato não nos parece ter propriamente a ver com o sentido estrito da verbivocovisualidade do formalismo concretista, ou da estrita melopéia de Ezra Pound que era capaz de perceber o canto dos pássaros nas palavras de Arnaut Daniel. Se Torquato se afetou por uma educação concretista dos sentidos, tal afeto se conectou, de modo simultâneo, a audições e visões de uma desarticulação relacional da palavra que não estão fora da linguagem, elas são o seu fora (21). Ciladas guardadas nas palavras, poluição de imprevisíveis significados:

Quando eu a recito ou quando eu a escrevo, uma palavra - um mundo poluído - explode comigo e logo os estilhaços desse corpo arrebentado, retalhado em lascas de corte (como napalm) espalham imprevisíveis significados ao redor de mim: informação. Informação: há palavras que estão nos dicionários e outras que não estão e outras que eu posso inventar, inverter. Todas juntas e à minha disposição, aparentemente limpas, estão imundas e transformaram-se, tanto tempo, num amontoado de ciladas.

Uma palavra é mais do que uma palavra, além de uma cilada. Elas estão no mundo e explodem, bombardeadas. Agora não se fala nada e tudo é transparente em cada forma: qualquer palavra é um gesto e em sua orla os pássaros sempre cantam nos hospícios. No princípio era o Verbo e o apocalipse, aqui, será apenas uma espécie de caos no interior tenebroso da semântica. Salve-se quem puder.(22)

Entre nós, a grande arte de Torquato consiste na sua desterritorialização: a vida em movimento. Uma espécie de não-obra que pode ser sentida de forma incisiva justamente no livro que ficou conhecido como sua obra póstuma: Os últimos dias de paupéria, lançado inicialmente em 1973 pela editora Eldorado Tijuca e, posteriormente, relançado e ampliado pela Max Limonad em 1982. Waly Salomão, organizador do livro afirmou certa vez:

Foi um trabalho de resgate que recusava a linearidade, pois se desdobrava em ziguezagues. Os critérios de seleção tinham que respeitar as variantes de um mesmo poema, por exemplo. Não tinha cabimento um corte severo de eleição da "melhor" variante. Somente o autor (...) poderia ter escolhido tal vertente ou tal outra. Daí optei por uma amostragem perspectiva, ou seja, a revelação dos diferentes vértices encontrados. Há quem não suporte o rugir das crateras, dos abismos, dos buracos da liberdade, ou seja, encontrar-se em alto mar quando supunha-se atracado em porto seguro... (23)

Através então de uma leitura em ziguezagues, capaz de surpreender a expectativa de uma recepção ancorada em uma lógica linear e à espera de um produto estético bem acabado e coerente, viajamos por traços e contrastes de um poeta inacabado cuja multiplicidade vai do empolgado tropicalista, autor de manifestos e engajado em um projeto coletivo de intervenção neo-antropofágica na cultura brasileira, ao pós-tropicalista gauche, do jornalista de amenidades ao cronista da guerrilha cultural, apologista do cinema marginal e da cultura subterrânea (24); da visibilidade, conquistada principalmente através das letras de música (parcerias com Edu Lobo, Gil, Caetano, Macalé e outros), aos diários de hospício; da oswaldiana alegria como a prova dos nove à tristeza como porto seguro.

Mas não é apenas pela multiplicidade que essas máscaras nos des-territorializam. É muito mais do que isso. É que Torquato é mesmo um pensador des-territorializante. Uma música que não cessa de nos surpreender. Em uma crônica de amenidades, pelos cantos do jornalista (jornalista?), não raro ouvimos uma voz que nos atualiza: notas de perplexidade (dissonâncias) atuais (em ato) para os dias de sempre: vida para os amortecedores de notícias:

Hoje tem espetáculo

Vá ao cinema, presta?
Vá ao teatro, presta?
Esses filmes servem a quem?
Essas peças: servem? Para que? (25)

Torquato não pára de nos sugerir uma ocupação de espaço. Manter a vida acesa pelos lugares por onde andamos. Uma política de luta para tomar o lugar. Ouçamos: ocupar espaço, num limite de tradução, quer dizer tomar o lugar. (...) Com sol e com chuva. Dentro de casa,na rua. (...) espantar a caretice: tomar o lugar: manter o arco: os pés no chão: um dia depois do outro. (26)

Agora - aqui dentro, lá fora - e a partir dessa sugestão de ocupação - podemos nos indagar: que tipo de espaço estamos ocupando agora? Estamos ocupando algum espaço?
Sabemos: Os livros só valem à pena quando nos mexem com a vida, quando com eles a alma da vida não é pequena. O resto é burocracia acadêmica, troca simbólica de moedas assassinas, prontas a nos sugar a vida e nos tornar preparados para o comércio da morte. E não basta Ler Torquato, Deleuze ou Nietzsche ou etc. para que nos salvemos. Os livros não podem nos salvar sozinhos. É necessário que nós o necessitemos com a vida e em vivo.

Muitos intelectuais e professores defendem a leitura como salvação da cultura. Mas não é difícil encontrarmos mais idiotas no mundo das letras do que fora dele. Idiota, em seu sentido etmológico, e também em seu sentido vital, ensina-nos Donaldo Schüler lendo Heráclito, é aquele que não sai de si, é aquele que não se des-territorializa. Para que ler um livro? Para não sair do livro? Para nos tornarmos escravos do livro? De que modo temos lido nossos livros? Como livros nossos? Ou como o livro do professor? (um professor que não está em nós).

Do lado de dentro, do lado de fora, a pergunta, aqui, ainda deve ser: O que estamos dizendo aqui encontra ressonância aí? Ou estamos sendo idiotas? O que vocês acham?

*

Notas:

(1) NETO, Torquato. Os últimos dias de paupéria. São Paulo: Max Limonad, 1982, p.325.
(2) Idem, p.325.
(3) Apud SALOMÃO, Waly. Hélio Oiticica: Qual é o parangolé? Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996.
(4) MORISON, James Douglas. Os Mestres e as Criaturas Novas. Lisboa: Assírio & Alvim, 1994, p.36.
(5) DELEUZE, Gilles, PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Editora Escuto, 1998, p.75.
(6) NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 64.
(7) NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 189.
(8) Declaração extraída de uma entrevista videografada concedida a Ivan Cardoso sobre Torquato Neto. A entrevista foi exibida pela Rede Manchete no programa Documento Especial em janeiro de 1992.
(9) Cf DELEUZE, Gilles. Nietzsche. Lisboa: Edições 70, 1994, p. 24.
(10) NETO, Torquato. Os últimos dias de paupéria. São Paulo: Max Limonad, 1982, p.86.
(11) LINS, Daniel. "Esquecer não é crime". In : Nietzsche e Deleuze: Intensidade e Paixão. Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fortaleza, CE: Secretaria de Cultura e Desporto do Estado, 2000, p. 49.
(12) ROLNIK, Suely. "Pensamento, corpo e devir - uma perspectiva ético/estético/política no trabalho acadêmico". In : Cadernos de Subjetividade. São Paulo: PUC, 1993, no 2, p. 242.
(13) Ver ORTEGA Y GASSET, José. Unas Lecciones de Metafísica. Madrid: Alianza Editorial, 1999, p. 159-170.
(14) DELEUZE, Gilles, PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Editora Escuto, 1998, p.53.
(15) DELEUZE, Gilles. "Literatura e vida". In : Crítica e clínica. São Paulo: Ed. 34, p, 1997, p.11.
(16) Cf: DELEUZE, Gilles, PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Editora Escuto, 1998, p.58.
(17) NETO, Torquato. Os últimos dias de paupéria. São Paulo: Max Limonad, 1982, p. 98.
(18) Idem, p. 63.
(19) "Cave, canem, cuidado com o cão". In : Folha de São Paulo. São Paulo, 5 de novembro de 1995, p.5.
(20) ROLNIK, Suely. "Pensamento, corpo e devir - uma perspectiva ético/estético/política no trabalho acadêmico". In : Cadernos de Subjetividade. São Paulo: PUC, 1993, no 2, p. 242.
(21) Cf: DELEUZE, Gilles. "Literatura e vida". In : Crítica e clínica. São Paulo: Ed. 34, p, 1997, p.16.
(22) NETO, Torquato. Os últimos dias de paupéria. São Paulo: Max Limonad, 1982, p. 98.
(23) "Cave, canem, cuidado com o cão". In : Folha de São Paulo. São Paulo, 05/09/1995.
(24) Palavra cunhada por Hélio Oiticica pra designar o que seria o underground brasileiro, ou, como afirmou o próprio Torquato, "...subterrânea deve significar underground, só que traduzido para o brasileiro curtido de nossos dias..." (NETO: 1982, p.70).
(25)NETO, Torquato. Os últimos dias de paupéria. São Paulo: Max Limonad, 1982, p. 110.
(26)Idem, 180.

*

André Monteiro nasceu em São João del-Rei, MG, em 1973. Licenciou-se em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora. É mestre e doutor em Literatura Brasileira pela PUC-RIO. Publicou, entre outros, o ensaio A ruptura do escorpião: ensaio sobre Torquato neto e o mito de marginalidade (2000) e Ossos do Ócio (poesias reunidas, 2001), ambos pela Cone Sul (SP).


*
 Artigo disponivel na ZUNÁI - Revista de Poesia & Debates

Baú do Torquato



Torquato Neto, nascido no ano de 1944 em Teresina-PI, foi compositor, jornalista, poeta e um dos mentores intelectuais do movimento tropicalista. Após 38 anos de vida, o poeta partiu. E 38 anos depois de sua morte, foram enviadas a sua cidade natal, inúmeras poesias e fotos inéditas. Esse vídeo é apenas um registro sobre a chegada desses arquivos ao primo de Torquato, George Mendes.







Direção e som direto: Márcio Bigly
Imagens e edição: Talyta Magno
Teresina-PI | 2010 | 9 min

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Definição




para nacif elias


Teresina:
ausência
de uma presença...
presença
da mesma ausência
só na memória
sempre viva.
só na saudade... só distância
só vontade.
...e um ardor medonho no peito.

(Rio, 23/08/62)


Torquato Neto
[Teresina - PI / 1944-1972]
In Teresina: um olhar poético.
Teresina: FCMC: Teresina, 2010.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Pessoal intransferível

Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. Nada nos bolsos e nas mãos. Sabendo: perigoso, divino, maravilhoso.

Poetar é simples, como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena etc. Difícil é não correr com os versos debaixo do braço. Difícil é não cortar o cabelo quando a barra pesa. Difícil, pra quem não é poeta, é não trair a sua poesia, que, pensando bem, não é nada, se você está sempre pronto a temer tudo; menos o ridículo de declamar versinhos sorridentes. E sair por aí, ainda por cima sorridente mestre de cerimônias, "herdeiro" da poesia dos que levaram a coisa até o fim e continuam levando, graças a Deus.

E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. Citação: leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi. Adeusão!

sábado, 29 de outubro de 2011

a) A virtude é a mãe do vício
conforme se sabe;
acabe logo comigo
ou se acabe.

b) A virtude e o próprio vício
- conforme se sabe -
estão no fim, no início
da chave.

c) Chuvas da virtude, o vício,
conforme se sabe;
é nela própriamente que eu me ligo,
nem disco nem filme:
nada, amizade. Chuvas de virtude:
chaves.

d) (amar-te/ a morte/ morrer:
há urubús no telhado e carne seca
é servida: um escorpião encravado
na sua própria ferida, não escapa: só escapo
pela porta de saída).

e) A virtude, a mãe do vício
como eu tenho vinte dedos,
ainda, e ainda é cedo:
você olha nos meus olhos
mas não vê nada, se lembra?

f) A virtude
mais o vício: início da
MINHA
transa, início, fácil, termino:
"como dois mais dois são cinco"
como Deus é precipício,
durma,
e nem com Deus no hospício
(durma) nem o hospício
é refúgio. Fuja.

O Poeta é a Mãe das Armas

O Poeta é a mãe das armas
& das Artes em geral —
alô, poetas: poesia
no país do carnaval;
Alô, malucos: poesia
não tem nada a ver com os versos
dessa estação muito fria.

O Poeta é a mãe das Artes
& das armas em geral:
quem não inventa as maneiras
do corte no carnaval
(alô, malucos), é traidor
da poesia: não vale nada, lodal.

A poesia é o pai da ar-
timanha de sempre: quent
ura no forno quente
do lado de cá, no lar
das coisas malditíssimas;
alô poetas: poesia!
poesia poesia poesia poesia!
O poeta não se cuida ao ponto
de não se cuidar: quem for cortar meu cabelo
já sabe: não está cortando nada
além da MINHA bandeira ////////// =
sem aura nem baúra, sem nada mais pra contar.
Isso: ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. a
r: em primeiríssimo, o lugar.


poetemos pois

torquato neto /8/11/71 & sempre.